O texto chama-se A Culpa e é do livro "Un regalo para toda la vida", do pediatra Carlos Gonzalez:
Quando eu era um médico jovem e inexperiente (agora sou de média idade e inexperiente) e comecei a interessar-me por isto da amamentação, surpreendeu-me a reacção de muitos dos meus professores, chefes e companheiros: cuidado, para que as mães não se sintam culpadas.
Tinha de dizer coisas como: “o aleitamento materno é o melhor, mas o artificial é igualmente bom” ou “se não conseguiu amamentar, não se preocupe, hoje em dias as crianças criam-se igualmente bem com o biberão”. Eu mesmo cheguei a escrever, num rascunho de um folheto que nunca viu a luz do dia, algo do género “mais vale um biberão com amor, do que uma mama com ressentimentos”.
Os médicos não costumam mostrar tanta delicadeza noutros casos. O tabaco provoca cancro, assim, com todas as letras, e se o fumador se sentir culpado, pois que se sinta. E não é só porque muitos médicos deram biberão aos seus próprios filhos; os médicos fumadores não têm problemas em dizer que o tabaco provoca cancro.Quando se recomenda o aleitamento materno, parece obrigatório ter uma segunda opção. Um folheto recentemente distribuído em Espanha para prevenir a morte súbita do lactente incluía conselhos como: “Coloque o bebé de barriga para cima”, “Não permita que fumem no seu ambiente”, e “Se puder, dê-lhe de mamar”. Porque é que apenas a amamentação é opcional? Porque que não “Se puder, coloque o bebé de barriga para cima” ou “Tente que não fumem no seu ambiente”? Ou, noutro extremo, que tal “Não permita que o bebé tome biberão”?
O facto é que as mulheres em geral tendem a sentir-se culpadas de muitas coisas, pelo menos na nossa cultura. Não sei se é algo genético ou puramente cultural (ou seja, se são realmente assim, ou se somos nós que as ensinamos a ser assim desde pequenas) mas é verdade. Uma perita em amamentação, Diane Wiessinger, explica que expôs o mesmo caso a várias pessoas: “Você é um passageiro/a num avião e o piloto tem um enfarte. Fez apenas uma aula de voo: tenta aterrar e tem um acidente, sentir-se-ia culpado/a?” Os homens costumam responder “Culpado? Claro que não! Pilotar um avião é algo muito difícil, eu fiz o que me foi possível…” As mulheres, pelo contrário, tendem a responder que sim, que deveriam ter estado mais atentas na primeira aula, que o avião se despenhou por sua causa… Uma inclusive sentia-se culpada por sentir-se culpada: “Bom, eu sei que não deveria sentir-me culpada, mas penso que sim, que me sentiria culpada”.
O facto é que as mulheres em geral tendem a sentir-se culpadas de muitas coisas, pelo menos na nossa cultura. Não sei se é algo genético ou puramente cultural (ou seja, se são realmente assim, ou se somos nós que as ensinamos a ser assim desde pequenas) mas é verdade. Uma perita em amamentação, Diane Wiessinger, explica que expôs o mesmo caso a várias pessoas: “Você é um passageiro/a num avião e o piloto tem um enfarte. Fez apenas uma aula de voo: tenta aterrar e tem um acidente, sentir-se-ia culpado/a?” Os homens costumam responder “Culpado? Claro que não! Pilotar um avião é algo muito difícil, eu fiz o que me foi possível…” As mulheres, pelo contrário, tendem a responder que sim, que deveriam ter estado mais atentas na primeira aula, que o avião se despenhou por sua causa… Uma inclusive sentia-se culpada por sentir-se culpada: “Bom, eu sei que não deveria sentir-me culpada, mas penso que sim, que me sentiria culpada”.
Quando a mulher se torna mãe, parece que o sentido de culpa aumenta, e não é apenas em relação à amamentação. Respondo a questões de mães numa revista, e muitas das cartas são sobre culpa. Muitas mães sentem-se culpadas, não por coisas que aconteceram, mas por coisas que poderiam ter acontecido. E não é só por coisas graves, como “por minha culpa, o meu filho quase morria”, mas também por coisas que para outras pessoas não teriam qualquer importância. Marta, por exemplo, sente-se culpada porque a sua filha não come carne:
“Tenho a estranha sensação de culpa ao pensar que ao privá-la da introdução de carne estou a expor a minha filha a uma anemia”
Segundo o provérbio, quem faz o que pode, diz o que sabe e dá o que tem, a mais não é obrigado. Mas o sentimento de culpa não entende essa lógica. Beatriz sente-se culpada de ter sido mal informada (em vez de culpar quem a informou mal):
“Sou uma mãe de uma menina de um mês, que alimento ao peito e com biberão, por falta de informação correcta a tempo (mea culpa).”
Pode alguém sofrer uma desgraça imprevisível e, em vez de sentir-se vítima, sentir-se culpada? As mães sim. Ivone sente-se culpada por ter uma depressão:
“Acho que não dei à menina a tranquilidade e a alegria que todos precisamos, e sobretudo um bebé recém-nascido, sinto-me culpada e não sei se isto poderá afectar a personalidade, o sistema nervoso ou o desenvolvimento dela.”
Também é verdade que os sentimentos injustificados de culpa constituem um dos sintomas de depressão. A verdadeira depressão pós-parto é relativamente rara; mas muitas mães sofrem uma depressão leve, a que se chama a tristeza pós-parto (baby blues).
As mães conseguem sentir-se culpadas pelo que fazem mal, mas também pelo que não fazem, pelo que fazem outras pessoas, e inclusive pelo que fazem bem. Júlia recebeu tantas críticas por pegar o seu filho ao colo e estragá-lo…
“… que inclusive me chegaram a fazer sentir culpada por querê-lo tanto.”
“Tenho a estranha sensação de culpa ao pensar que ao privá-la da introdução de carne estou a expor a minha filha a uma anemia”
Segundo o provérbio, quem faz o que pode, diz o que sabe e dá o que tem, a mais não é obrigado. Mas o sentimento de culpa não entende essa lógica. Beatriz sente-se culpada de ter sido mal informada (em vez de culpar quem a informou mal):
“Sou uma mãe de uma menina de um mês, que alimento ao peito e com biberão, por falta de informação correcta a tempo (mea culpa).”
Pode alguém sofrer uma desgraça imprevisível e, em vez de sentir-se vítima, sentir-se culpada? As mães sim. Ivone sente-se culpada por ter uma depressão:
“Acho que não dei à menina a tranquilidade e a alegria que todos precisamos, e sobretudo um bebé recém-nascido, sinto-me culpada e não sei se isto poderá afectar a personalidade, o sistema nervoso ou o desenvolvimento dela.”
Também é verdade que os sentimentos injustificados de culpa constituem um dos sintomas de depressão. A verdadeira depressão pós-parto é relativamente rara; mas muitas mães sofrem uma depressão leve, a que se chama a tristeza pós-parto (baby blues).
As mães conseguem sentir-se culpadas pelo que fazem mal, mas também pelo que não fazem, pelo que fazem outras pessoas, e inclusive pelo que fazem bem. Júlia recebeu tantas críticas por pegar o seu filho ao colo e estragá-lo…
“… que inclusive me chegaram a fazer sentir culpada por querê-lo tanto.”
Se se sentem culpadas por quase tudo, a quem surpreende que se sintam culpadas por não dar de mamar? Laura chegou a sentir-se culpada porque sim, dava de mamar:
“Não seria melhor parar de amamentar, com muita tristeza minha, porque a menina está a alimentar-se dos meus nervos, depressões, etc. e não a estou a favorecer em nada com o meu leite?”
Isabel, porque dá de mamar sempre que quer, apesar de o seu pediatra lhe ter dito para dar de mamar apenas duas vezes por dia:
“O problema é que me sinto um pouco culpada por desobedecer ao meu pediatra.”
Montse, que mete o filho na sua cama quando este chora durante a noite, congratula-se por ter lido o meu livro Besame Mucho:
“Depois de ler o seu livro, sinto-me menos culpada” (maldita palavra!)
Mas não me atribuo nenhum mérito; sei de outras mães, que tinham deixado chorar o seu primeiro filho, e se sentiram culpadas ao ler o meu livro…
“Não seria melhor parar de amamentar, com muita tristeza minha, porque a menina está a alimentar-se dos meus nervos, depressões, etc. e não a estou a favorecer em nada com o meu leite?”
Isabel, porque dá de mamar sempre que quer, apesar de o seu pediatra lhe ter dito para dar de mamar apenas duas vezes por dia:
“O problema é que me sinto um pouco culpada por desobedecer ao meu pediatra.”
Montse, que mete o filho na sua cama quando este chora durante a noite, congratula-se por ter lido o meu livro Besame Mucho:
“Depois de ler o seu livro, sinto-me menos culpada” (maldita palavra!)
Mas não me atribuo nenhum mérito; sei de outras mães, que tinham deixado chorar o seu primeiro filho, e se sentiram culpadas ao ler o meu livro…
Por que é que todo o mundo tenta proteger-nos de certas culpas, mas não de outras? O mesmo pediatra que jamais diria: “Se não lhe der de mamar, faltarão imunoglobulinas ao seu bebé” (que está absolutamente correcto), não tem qualquer problema em dizer: “Se não lhe der carne, faltará ferro ao seu filho” (que só está correcto às vezes), ou inclusive: “Se não lhe der fruta, faltará vitamina C ao seu filho” (que é completamente falso). Se numa reunião familiar você diz: “Sinto-me culpada por levá-lo para o colégio tão cedo”, quase todos a tentarão tranquilizar: “Não te preocupes, eles ficam muito bem no colégio”. Por outro lado, se tiver a ousadia de dizer: “Sinto-me culpada porque dorme connosco, na nossa cama.”, quantas pessoas lhe diriam: “Não te preocupes, eles ficam muito bem na cama dos pais”?
Algumas mães que dão o biberão sentem-se mal ao ler numa revista um artigo que fale sobre a vantagem do aleitamento materno; mas ao menos esses artigos estão escritos de forma impessoal, e se não quiser, basta não os ler. Por outro lado, uma mãe que dá de mamar durante dois anos tem muitas probabilidades de ouvir comentários negativos e pessoais, às vezes decididamente hostis e insultuosos, dos lábios de familiares, amigos e profissionais.
É claro que não estou a dizer que os adeptos da amamentação são mais amáveis e respeitosos. O que acontece é que dar o biberão ou deixar o bebé a chorar, nos dias de hoje, são as correntes maioritárias da nossa sociedade. Dar de mamar mais de um ano ou dormir com o bebé consideram-se extravagâncias de gente rara. Algumas pessoas são amáveis e respeitosas por natureza, respeitam tanto a maioria como a minoria, os que pensam de forma igual como os que pensam de forma distinta. Mas há muitos outros que não são respeitosos, apenas o fingem. São humildes perante o poderoso, mas arrogantes perante o débil. Estão acobardados quando se sentem em minoria, mas ficam valentes quando se sentem suportados por um grupo. Dentro de algumas décadas, se o aleitamento materno for aumentando, talvez as mães que não dão de mamar comecem a receber críticas directas. Espero que você, amiga leitora, não participe nisso.
Algumas mães que dão o biberão sentem-se mal ao ler numa revista um artigo que fale sobre a vantagem do aleitamento materno; mas ao menos esses artigos estão escritos de forma impessoal, e se não quiser, basta não os ler. Por outro lado, uma mãe que dá de mamar durante dois anos tem muitas probabilidades de ouvir comentários negativos e pessoais, às vezes decididamente hostis e insultuosos, dos lábios de familiares, amigos e profissionais.
É claro que não estou a dizer que os adeptos da amamentação são mais amáveis e respeitosos. O que acontece é que dar o biberão ou deixar o bebé a chorar, nos dias de hoje, são as correntes maioritárias da nossa sociedade. Dar de mamar mais de um ano ou dormir com o bebé consideram-se extravagâncias de gente rara. Algumas pessoas são amáveis e respeitosas por natureza, respeitam tanto a maioria como a minoria, os que pensam de forma igual como os que pensam de forma distinta. Mas há muitos outros que não são respeitosos, apenas o fingem. São humildes perante o poderoso, mas arrogantes perante o débil. Estão acobardados quando se sentem em minoria, mas ficam valentes quando se sentem suportados por um grupo. Dentro de algumas décadas, se o aleitamento materno for aumentando, talvez as mães que não dão de mamar comecem a receber críticas directas. Espero que você, amiga leitora, não participe nisso.
Suspeito que às vezes, com os nossos esforços para que as mães não se sintam culpadas, conseguimos o contrário. Imagine, por exemplo, que sofre um acidente de automóvel e a sua filha de três anos parte um braço. Qual dos seguintes comentário lhe faria sentir mais culpada:
a) “Um braço partido? Coitadita! Espero que fique bem rapidamente.”
“Não tens de te sentir culpada. Eu também ando muitas vezes de carro com o meu filho sem cadeira de segurança. Vais ver que não vai ter problemas; digam o que disserem, hoje em dia partir um braço não é nada de grave. E as crianças adoram usar gesso.”
A questão é que a mãe que desejava dar de mamar e, seja porque motivo for, não o fez, não pode sentir-se bem. Não é lógico sentir-se culpada, quando foi precisamente vítima de falta de informação, de falta de ajuda ou simplesmente de má sorte. Mas também não é lógico sentir-se bem, quando deseja algo e não consegue. Sentimo-nos mal quando chumbamos num exame, se nos passam uma multa, ou se simplesmente chove no nosso dia de ir à praia. E dar de mamar é algo muito mais importante; é algo muito especial que a mãe queria fazer pelo seu filho porque pensava que seria o melhor para ele, e também é uma parte do seu ciclo sexual, uma parte da sua vida.a) “Um braço partido? Coitadita! Espero que fique bem rapidamente.”
“Não tens de te sentir culpada. Eu também ando muitas vezes de carro com o meu filho sem cadeira de segurança. Vais ver que não vai ter problemas; digam o que disserem, hoje em dia partir um braço não é nada de grave. E as crianças adoram usar gesso.”
Para muitas mulheres, o fim da amamentação representa quase um processo de dor, parecido (embora naturalmente mais leve) com a dor provocada pela morte de um ente querido. Já vi mães que se sentem mal quando o seu filho se desmama com um ano e meio ou aos quatro anos; mães que sentem que perderam algo importante que já não voltará. Mesmo que fosse um desmame esperado, aceite, e inclusive procurado e induzido, sentem-se mal. Como não se vai sentir mal aquela que desmama nas primeiras semana, contra sua vontade, após muitos esforços e muitos sofrimentos?
Infelizmente, a nossa sociedade normalmente não compreende este mal-estar. Com a melhor das intenções insistem em negá-lo, eliminá-lo, apagá-lo. Creio que é um erro. Imagine que você fica surda, e que os médicos e amigos empenham-se em negar a sua dor: “Não te preocupes, hoje em dia há muitos aparelhos auditivos avançados”: “Bem, pelo menos agora estás tranquila, porque já sabes o que se passa contigo.” “Uma tia minha também ficou surda, e dizia que estava melhor que antes, porque tinha paz interior.” “Em geral, para que é que precisas ouvir…” “Não sei porque te esforças tanto; quando não se ouve, não se ouve, e há que aceitá-lo.” Não lhe daria raiva?
À tristeza de não poder dar de mamar, muitas mães têm de somar a tristeza de sentirem-se incompreendidas. Em vez de tanto consolo falso, precisam ouvir um comentário sensato e compreensivo: “Tinhas muita vontade de dar de mamar, não era? Que pena, como lamento…”.
Infelizmente, a nossa sociedade normalmente não compreende este mal-estar. Com a melhor das intenções insistem em negá-lo, eliminá-lo, apagá-lo. Creio que é um erro. Imagine que você fica surda, e que os médicos e amigos empenham-se em negar a sua dor: “Não te preocupes, hoje em dia há muitos aparelhos auditivos avançados”: “Bem, pelo menos agora estás tranquila, porque já sabes o que se passa contigo.” “Uma tia minha também ficou surda, e dizia que estava melhor que antes, porque tinha paz interior.” “Em geral, para que é que precisas ouvir…” “Não sei porque te esforças tanto; quando não se ouve, não se ouve, e há que aceitá-lo.” Não lhe daria raiva?
À tristeza de não poder dar de mamar, muitas mães têm de somar a tristeza de sentirem-se incompreendidas. Em vez de tanto consolo falso, precisam ouvir um comentário sensato e compreensivo: “Tinhas muita vontade de dar de mamar, não era? Que pena, como lamento…”.
Fonte: WIESSINGER D. Watch your language! J Hum Lact 1996; 12: 1-4
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