Texto do Dr. Moises Chencinski
Esse assunto nunca se esgota, até porque, a cada
dia aparecem mais fatores e situações que interferem de alguma forma no sono
das crianças. Mas acho que grande parte do “problema” foi abordado aqui nos
textos e nas perguntas e respostas de todos vocês.
Mesmo assim, gostaria de fazer algumas colocações
que julgo importantes para concluir de forma que me satisfaça essa nossa
trajetória e expor a minha opinião. Peço a vocês a mesma empatia (lembram-se
dela?) que foi seguida aqui durante esse nosso tempo juntos.
ALEITAMENTO MATERNO
Como já colocamos sempre por aqui, após a
compreensão do mecanismo do sono, qualquer método utilizado na tentativa de
fazer com que uma criança durma, desde que seguido conforme foi estabelecido,
tem grandes chances de sucesso.
Cada família, cada mãe e/ou pai poderá tentar
aquela técnica com a qual mais se identifica, aquela que supostamente traria
menor sofrimento a todos e não há muito o que se criticar porque cada um
conhece suas capacidades e suas limitações.
Em minha opinião, qualquer método que interfira com
a dinâmica saudável do aleitamento materno deve ser uma condição muito, muito,
muito, muito... já entenderam que é muito, muito mesmo especial para que seja
justificado seu uso.
ALEITAMENTO MATERNO: desde a primeira hora de vida, exclusivo e em
livre demanda, estendido até 2 anos ou mais. Essa é a principal meta a ser
defendida para que possamos pelo menos torcer por essa geração de 100 anos que
está sendo criada.
Assim, não está dentro da minha lista de sugestões
e orientações qualquer tentativa que ponha em risco a continuidade do
aleitamento materno. Estabelecer horários de mamadas, limitar o tempo de
mamada, suspender uma mamada enquanto o bebê necessita e se beneficia do leite
materno são situações que sempre deveriam ser contornadas para que a criança
possa ter seu crescimento e desenvolvimento saudáveis.
Todo pediatra deveria estabelecer como prioridade a
meta de favorecer o aleitamento materno. Essa meta deveria ser mais estimulada
nas faculdades de medicina, nas residências médicas de pediatria, nos
congressos médicos e em tudo o que se escrever, se falar, se ouvir a respeito
de saúde infantil.
Devemos respeitar e acolher as mães que, por
qualquer razão, não conseguem atingir esse objetivo, mas não podemos deixar de
reforçar a importância do aleitamento materno.
RESPEITO
Essa é uma tarefa dificílima. Meus pais sempre me
falavam que temos que respeitar os mais “velhos”. E eles não estavam
completamente enganados.
Mas não só as pessoas de idade acima da nossa que
merecem respeito. Todos merecem independente de sexo, raça, religião, cor e idade.
Abre parênteses
Do Dicionário Houais da língua portuguesa: Respeito
2 sentimento que leva alguém a tratar outrem ou alguma coisa com
grande atenção, profunda deferência; consideração, reverência
6 estima ou consideração que se demonstra por alguém ou algo
Fecha parênteses
|
Assim, as crianças também merecem nosso respeito.
Seres em crescimento, seres em desenvolvimento que podem nos ensinar tanto se
soubermos observar e até nos lembrar de como já fomos um dia, em algum lugar do
nosso passado.
Há um termo em inglês que cabe muito bem aqui: timing.
Abre parênteses
Do Dicionário Michaelis: Substantivo
masculino
3 escolha do tempo mais adequado para fazer alguma coisa.
Fecha parênteses
|
Qual a idade certa para uma criança sentar, falar,
correr, tirar as fraldas, aprender a ler, a escrever, a... dormir a noite toda?
Existe uma idade certapara uma criança ser ou deixar de ser uma
criança?
A criança pode sentar entre os 6 a 10 meses, andar entre
9 e 24 meses, falar entre os 8 e 24 meses, tirar as fraldas entre 2 anos e meio
a 3 anos. E se ela fizer isso antes? E se demorar um pouco mais? Isso é normal
ou não?
Precisamos tomar cuidado com as nossas expectativas
e as nossas questões que depositamos em nossas crianças. Quem foi ou é meu
paciente já ouviu essa frase, que costumo falar na primeira consulta de
recém-nascido:
Vou passar a vocês agora, uma das orientações mais
importantes desta minha primeira consulta de recém-nascido, tão importante
quanto o aleitamento materno porque vale para a vida toda.
Toda vez que nasce um filho, vocês precisam
aprender a fazer um exercício dificílimo, mas fundamental para a boa vida
bio-psico-físico-social da família.
Vocês precisam aprender a diferenciar o que é
problema seu e do que é um problema dele.
Todas as vezes que vocês tentarem resolver o
"seu problema" nele, vocês não resolvem o "seu problema",
criam um problema novo para ele que passa a ser o seu próximo problema.
Acho que ficou claro, não é? Trazendo essas
questões para esse nosso momento, vou relembrar o que falamos a respeito de
ciclo biológico, na parte 5 dessa série.
Abre parênteses (mais um deles hoje, hein?)
Assim, até os 3 meses de idade, o bebê tem um
sono em ritmo ultradiano (sem um ritmo adequado, até porque sua
glândula pineal – lembra dela? – é rudimentar e não sofre a ação adequada da
melatonina – claro / escuro) e queremos que ele atinja o ritmo circadiano
(do latim “cerca diem” que quer dizer cerca de um dia), que é viável apenas
após essa época. Ou seja, a transição do sono fragmentado para sono
consolidado só pode acontecer conforme a criança cresce. Qualquer tentativa
de treinamento, condicionamento antes dos 3 meses de idade é ineficaz. O que
se pode fazer nessa idade é criar condições favoráveis externas, ambientais,
que aumentem as chances de um bebê fazer essa transição com o mínimo de
sofrimento possível.
Fecha parênteses
|
Esse tempo até os 3 meses do bebê, pelo menos, no
que diz respeito ao sono, deve ser respeitado. Não se “treina” ou se
“condiciona” um bebê até os 3 meses de idade, pelo menos, por respeito ao seu
tempo (timing). Ele precisa desse tempo (às vezes mais) para se adaptar às
condições que ele encontra aqui fora, nesse mundo que não tem tempo para
esperar por ele. O mundo está com muita pressa. E com pressa não temos tempo de
acompanhar o crescimento e desenvolvimento de cada uma das crianças, que é uma
característica própria, individual, que identifica e individualiza cada uma das
crianças. Se não temos tempo, perdemos nosso timing adequado.
Cada um é cada um
Quando um filho aparece em nossas vidas, fica claro
que mudam nossas prioridades, mesmo que não estejamos preparados para
isso.
Sempre nos comparam aos outros integrantes do Reino
Animal, quer seja na questão de alimentação, de desenvolvimento, de dependência.
A questão é que a “raça humana” tem suas peculiaridades, suas excentricidades,
seus fatores positivos e negativos, mas não acho que ela é melhor e nem pior do
que as outras e sim diferente.
Os filhotinhos de cachorros ficam de pé logo, os
dos gatinhos enxergam logo, os bezerrinhos mamam por pouco tempo. A questão é
que filhotes serão animais maiores, com suas vidas características suas
habilidades e suas necessidades. Enquanto isso, os “bebês-humanos”, gerados
após um período específico de gestação, terão suas necessidades, suas
habilidades e seu desenvolvimento adequado para sua “raça-humana”.
E mesmo entre os membros da mesma raça pode haver
diferenças em todos os campos de seu crescimento e desenvolvimento, suas
aptidões e suas limitações. Dessa forma, podemos até tentar estabelecer um
“padrão de normalidade”.
Abre parênteses (não acaba?)
Do iDcionário Aulete: Normal
1.
Que é natural ou habitual (reação normal).
2.
Que é segundo a norma ou padrão.
3.
Que é usual, comum, habitual, corriqueiro.
4.
Mental e fisicamente saudável (diz-se de pessoa).
5.
Pop. Que não foge, em termos de comportamento, à regra da maioria das
pessoas.
Fecha parênteses
|
Isso quer dizer, que quem tem essa denominação
(normal) apenas é alguém que está dentro de um padrão estabelecido, dentro de
uma norma que “atinge a maioria das pessoas”, mas não necessariamente quem está
fora dela esteja errado.
Voltando ao nosso tema sono, cada família, cada
casal, cada criança terá seu próprio ritmo, suas próprias características
“normais” e que podem não ser adequadas a todas as outras crianças, variando de
acordo com questões sociais, culturais, econômicas, filosóficas, religiosas, e
assim por diante.
Os estudiosos estabelecem parâmetros de comparação
que são fundamentais para acompanharmos características daquele determinado
grupo ao qual pertencem, criando, assim, expectativas e condições de avaliação.
Dessa forma ficaram conhecidas as necessidades de sono de cada faixa etária e
como esse sono deveria ser distribuído durante as 24 horas.
Quem deve se adaptar a quem?
Após 9 meses no útero, recebendo oxigênio e
alimento através do cordão umbilical, urinando dentro do líquido amniótico, sem
evacuar, crescendo em uma velocidade espantosa, passando de um ponto
microscópico em 9 meses para um ser de cerca de 3 kilos e 50 cm,
desenvolvendo capacidades inimagináveis, esse bebê é retirado desse meio
em que ele vivia, e de repente ele tem que aprender a respirar sozinho, a se
alimentar através de seus próprios meios, a se mover por meio de seus membros,
urinar e evacuar, enxergar, ouvir, digerir alimentos, mudar de estado de
vigília para estado de sono.
Aí, alguém vem e diz que não é a família que tem
que se adaptar ao ritmo de um bebê ou de uma criança e sim a criança que deve
se adaptar ao ritmo da família.
Muita calma nessa hora. O bebê já passou por muitas
transformações e ainda tem uma imensidão de mudanças à sua frente. Seus
sistemas (respiratório, digestório, urinário, cardiocirculatório, etc.) estão
em franco desenvolvimento e aperfeiçoamento. Seu contato com o nosso mundo
começa a se estabelecer aos poucos e quando ele pensa que está se acostumando
com alguma rotina, alguém ou alguma coisa muda essa rotina e estabelece uma
nova.
Quando ele poderá sair de casa, viajar, entrar no
mar, comer, ir para a escolinha pela primeira vez? Essas perguntas apresentam a
mesma resposta:DEPENDE.
Verdade. Depende tanto das condições do bebê,
quanto das necessidades ou expectativas da família, quanto da sociedade, do
mundo que o cerca.
Mas, se iniciarmos e mantivermos o aleitamento
materno pelo período necessário, se aprendermos a entender o “timing” do
bebê, a respeitar suas características, a captar as suas particularidades e
suas individualidades, ficará mais natural e mais claro e simples descobrir
qual o caminho a seguir.
E sempre é mais fácil e, na maior parte das vezes,
mais lógico nós nos adaptarmos às necessidades do bebê e nos adaptarmos a elas
do que o contrário. Isso não significa, de forma alguma, que não deve haver
certas regras, certas rotinas e que tudo ficará ao deus dará. Mas, é mais
fácil, enquanto acompanhamos o desenvolvimento da capacidade das crianças, nós
nos adaptarmos a eles do que eles a nós.
Concluindo
Uma vez que se aprenda a observar e a acompanhar as
crianças, e agora conhecendo como funciona o seu sono, os hormônios envolvidos,
a importância das sonecas do dia, algumas técnicas viáveis e possíveis, as
crises e picos de desenvolvimento e crescimento do primeiro ano de vida, em
minha opinião, o que vale é o vínculo familiar criado e fortalecido, o respeito
às características e ao tempo de cada criança.
Os “problemas” e as diferenças vão aparecer e, com
a proximidade, com calma, com um bom contato com o pediatra, tudo pode ser
solucionado, de forma tranquila, sem stress.
Não. Pode não ser fácil.
Não. Pode não ser sempre.
Não. Pode não ser para todos.
Mas com certeza é possível.
E antes de me despedir (dessa matéria... vocês não
vão se ver livres de mim tão cedo... nem tão tarde... rsrsrs), a mesma rotina e
a mesma forma de pensar que usamos aqui em relação ao sono, vale para todas as
outras fases e características de nossos filhos, de nossas crianças.
O que vale para “o meu filho que não dorme”, vale
para “o meu filho que não come” ou para “o que come demais”, para “o meu filho
não quer tirar as fraldas”, para “o meu filho que não quer ir para a
escolinha”, enfim para qualquer filho em qualquer situação de transição.
Nada que o amor, o carinho, o acolhimento, a
compreensão, a paciência e o tempo não possam dar conta ou resolver. Estamos
criando a geração dos 100 anos. Que essa seja uma geração com um futuro
promissor. E nós somos também responsáveis por isso.
Dr. Moises
Chencinski
Médico especializado em pediatria e homeopatia
Veja Perfil Completo
Médico especializado em pediatria e homeopatia
Veja Perfil Completo
0 comentários:
Postar um comentário